Os
sacramentos divinos (I)
Helio
Amorim*
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Sacramentos divinos
são incontáveis. Tudo o que nos faz
sentir a presença de Deus na história humana é sacramento. Mas a Igreja
privilegia alguns muito especiais e os celebra com ritos plenos de significado.
Esses sacramentos correspondem às realidades humanas mais marcantes referidas a
Deus. Nem sempre a essência humanizadora desses sacramentos, o seu
significado mais profundo e os compromissos deles decorrentes são bem
compreendidos por muitos cristãos.
Também nem sempre os ritos com que são
celebrados contribuem para essa compreensão. Nessa matéria, a linguagem e
conceitos usados na catequese continuam falhos e inadequados, ainda muito
presos a categorias superadas pelas concepções e conhecimentos próprios do mundo
moderno. Vêm sendo profundamente revistos, embora lentamente, com uma saudável
preocupação pedagógica: os ritos colaborando com uma catequese mais adulta,
superando reações conservadoras. Estes são os sacramentos mais marcantes na vida
do cristão.
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Batismo: por
definição, é a acolhida de uma pessoa por uma comunidade. Jesus foi
batizado por João Batista, como sinal de sua acolhida pelo grupo dos que o
seguiam. Usa-se a mesma palavra para o rito de acolhida dos novos membros de
qualquer grupo social. O piloto que participa da primeira missão de combate dirá
que teve o seu batismo de fogo e é acolhido pelos veteranos como integrante do
seu grupo.
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Para os
cristãos, o batismo é o rito que marca a acolhida dessa pessoa pela
comunidade dos que aderiram ao projeto de Deus e constituem o Seu Povo, a
Igreja. Há muitos séculos, entretanto, predomina o batismo de crianças
recém-nascidas.
No início
do cristianismo não era assim. Só adultos, depois de uma longa catequese, eram
batizados. As crianças não têm consciência do que se passa. Por isso, não se
trata, na atual prática da Igreja, de um sacramento da criança mas da comunidade
que a acolhe. O rito precisa da presença da comunidade cristã nesse ritual
para assumir o compromisso de orientar aquela criança para uma adesão futura e
adulta ao projeto de Deus. A comunidade delega aos pais e a alguns dos seus
membros, chamados padrinhos, a responsabilidade mais direta e próxima, mas
não se exime da corresponsabilidade coletiva pela formação da criança.
Que
comunidade é essa? Os cristãos formam a comunidade daqueles que aderiram ao
projeto humanizador de Deus. Mas vivem num mundo modelado pelos que não
aderiram, antes se rebelaram contra o projeto de Deus, representados por Adão e
Eva no relato mítico do Gênesis. Essa rejeição ao projeto de Deus, pela
humanidade, constitui o pecado original assim chamado por ser a origem de
todos os males do mundo. Pelo batismo, a comunidade acolhe aquela criança que se
insere no seio do povo fiel ao projeto de Deus, ou seja, o povo que rejeitou o
pecado original. Por isso, se dirá que o batismo preservará a criança do pecado
original, não como um gesto que lava uma mancha na alma, herdada de personagens
míticos, mas o cuidado pelo risco sempre latente de desvio ao projeto de Deus.
A Graça
que dá eficácia ao batismo, sacramento comunitário, é oferecida por Deus à
comunidade dos cristãos, especialmente aos
pais e padrinhos, para que consigam ser fiéis ao compromisso por todos eles
assumidos. Mais tarde, conhecendo a responsabilidade própria do ser cristão,
consciente da sua missão, aquela criança do batismo prematuro de acolhida, é
convidada, já adulta, a confirmar, livremente, a sua adesão ao projeto
humanizador de Deus, com todas as suas consequências.
Essa
confirmação ou crisma, corresponde ao batismo nas primeiras comunidades
cristãs. A preparação para essa confirmação exige, portanto, uma diligência
muito especial, para não se reduzir a um ritualismo inconsequente, no crismar
por crismar, ou porque toda a turma da escola católica vai por aí, como prática
já institucionalizada e anualmente repetida. A Graça que dará eficácia ao
sacramento será derramada por Deus, como sempre gratuitamente, sobre aquele
cristão que assumiu, agora conscientemente, sua missão humanizadora, como
expressão de uma fé adulta.
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Reconciliação. Acontece
que o cristão, por suas limitações humanas e pelas pressões sociais a que está
sujeito, é frequentemente infiel aos compromissos da missão que assumiu.
Afasta-se do projeto de Deus e se desumaniza ou contribui para a desumanização
dos outros. Deus então o convida amorosamente para reconhecer suas limitações e
restabelecer a rota que leva à plena humanização. O rito para celebrar esse
retorno também tem variado, ao longo dos séculos. Durante muito tempo e até
recentemente a passagem pelo confessionário em conversa com um sacerdote era a
única fórmula para ser
perdoado.
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Hoje se
entende que um encontro de reconciliação com Deus e o seu projeto também se pode
realizar no íntimo da consciência e do coração de cada cristão, num ato de
reconhecimento das próprias limitações e de ilimitada confiança no amor gratuito
de Deus. A Graça que dá eficácia a este sacramento é oferecida por Deus ao
cristão que precisa de forças para superar suas fragilidades e reforçar suas
resistências às influências externas negativas que tentam afastá-lo da
humanização.
*Descomplicando a fé”
– Editora Paulus - (continua)
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